quarta-feira, 29 de junho de 2011

"Coragem é sabermos que estamos vencidos à partida, mas recomeçar na mesma e avançar incondicionalmente até ao fim. Raramente se ganha, mas às vezes conseguimos."

Harper Lee, "Por favor, não matem a cotovia"

quinta-feira, 23 de junho de 2011

"E Bloom pensou então nesse caixão público
que são os dias. Em cada dia enterram-se mais de dez mil
pessoas no mundo inteiro. É um dia público,
ordinário, grotesco, impúdico, onde se enterram
[anonimamente
velhos, crianças, mulheres, homens fortes, magros e
[anafados.
Os dias (cada dia) são uma vala comum,
pensava Bloom. Se não têm cuidado
os dias ganham doenças. (Mas sobre a terra, graças a Deus,
cada dia rapidamente cede lugar a outro.)"


Gonçalo M. Tavares, "Uma Viagem à Índia"

segunda-feira, 20 de junho de 2011

"(...) era a única que ainda tinha capacidade de amar, a única para quem o destino alheio continuava a ser tão valioso como o próprio, ou talvez mais, porque era a única para quem, na verdade, a vida não era tão importante que salvar-se fosse a coisa mais importante de todas."


João Tordo, "O Bom Inverno"

quarta-feira, 8 de junho de 2011

"Porém, o mar é uma
parede deitada: embora tenhas essa ilusão não podes
passar através dele.
Se beijares o mar ou se o agredires com um murro, vê:
o que lhe fizeste só em ti tem efeitos. E eis a definição de
um elemento forte."

Gonçalo M. Tavares, "Uma Viagem à Índia"

terça-feira, 7 de junho de 2011

"Ao ver a mulher na sua atitude característica, braços grossos erguidos para a corda da roupa, garupa possante espetada para trás como uma égua, Winston achou-a, pela primeira vez, bela. Nunca antes lhe passara pela cabeça que o corpo de uma mulher de cinquenta anos, monstruosamente inchado por gravidezes e depois endurecido, maltratado pelo trabalho até ficar com a textura áspera de um nabo velho, pudesse ser belo. Mas era-o, de facto; e afinal de contas, pensou ele, porque não? O corpo sólido, sem contornos, semelhante a um bloco de granito, e a pele vermelha, rugosa, estavam para o corpo de qualquer rapariga como o fruto da roseira está para a rosa. Porque é que o fruto haveria de ser menos prezado do que a flor?"

George Orwell, "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro"
"«Se estiver a dizer disparates, corrige-me. Mas cada vez mais acredito que só vale a pena ler um romance - neste caso, um bom romance - quando temos uma pergunta na cabeça para a qual não sabemos a resposta. Ou, mesmo que tenhamos encontrado a resposta, se precisarmos de confirmação.»
Fiquei intrigado. Pedi-lhe nova explicação.
«Pensa bem: o mesmo se aplica a escrever livros, ou não? Não será o escritor, verdadeiramente, o único interessado naquilo que escreve? Quero dizer, porquê andar a inventar histórias a torto e a direito, a menos que essas histórias sejam a solução, temporária ou absoluta, para um enigma qualquer?»
«Todos temos enigmas por decifrar», repliquei. «No entanto, nem todos lemos ficção. E somos ainda menos os que a escrevemos.»
«Justamente», respondeu Nina. «Porque pessoas diferentes encontram as respostas em lugares diferentes. Algumas pessoas encontram-nas na própria vida; talvez eu faça parte desse grupo. Para outras, as respostas só surgem quando se disfarçam de outra coisa qualquer, de uma pessoa que não são. Quando se metem no lugar de uma personagem e depois a fazem passar por agruras, que é aquilo que acontece nos romances»"

João Tordo, "O Bom Inverno"

quinta-feira, 2 de junho de 2011

"Quer dizer: não pões de lado a esperança...
O modelo copia o real, sem deturpar. E ela tem esperança; pelo menos, em parte.
Mas tu duvidas.
Não confundo esperança e ilusão.
Estéreis, uma e outra. Como distingui-las?
Pela intensidade."

Carlos de Oliveira, "Finisterra - paisagem e povoamento"

quarta-feira, 1 de junho de 2011

"Tudo necessita de constante atenção e
aperfeiçoamento, até o Eterno. Se o Eterno
é hoje o mesmo que era no século XII então
percebe-se a desligação geral do povo
às orações com frases desactualizadas.
O Eterno cheira a século XII, poderia
gritar um provocador bem informado,
mas o importante é isto: até o imutável
se não mudar será empurrado. O céu, na minha opinião,
tornou-se um lugar parado de mais."

Gonçalo M. Tavares, "Uma Viagem à Índia"